O anterior “querido líder” da Coreia do Norte, Kim Jong-il, morreu em Dezembro de 2011, aos 69 anos, de ataque cardíaco. Reconhecidamente o MPLA, mas sobretudo o seu líder, José Eduardo dos Santos, ficaram mais pobres. Talvez aí sua majestade o rei do MPLA tenha começado a pensar – ao contrário do que diziam os seus bajuladores – que, afinal, não era eterno.
Por Orlando Castro
Nessa altura José Eduardo dos Santos fez contas à vida, até porque o seu regime compra tudo, mas até agora ainda não conseguiu adquirir a vida eterna. Continua a tentar, é certo. Partindo do princípio não confirmado que ele é humano, as leis da vida dizem que o fim pode estar próximo. Do ponto de vista político, o fim poderia passar por uma transição pacífica ou, como parecer ser vontade o MPLA para se perpetuar no poder, por nova imposição da razão da força, eventualmente numa edição melhorada da estratégia do 27 de Maio de 1977.
Em Luanda, o presidente nunca nominalmente eleito e há 38 anos no poder, sabe, agora melhor do que nunca, que as democracias o vão passar de bestial a besta logo que ele deixe o poder. Se calhar hoje, mais do que ontem, Eduardo dos Santos sabe que já não há amigos como antigamente. E ainda por cima não pode contar com a pureza de Kim Jing-il.
Quando em Março de 2005 visitou Luanda, o então vice-presidente da Coreia do Norte, Zeng Yang Hong, foi claro ao ressaltar a importância da cooperação bilateral, e ainda mais explícito quando disse tratar-se de algo histórico. Eduardo dos Santos agradeceu e deu ordens imediatas para que o sistema de vasos comunicantes entre Luanda e Pyongyang fosse transformado, rapidamente e em força, num sistema de caudais comunicantes.
É bom que os angolanos (a comunidade internacional passou uma esponja no assunto) saibam que a ditadura de Pyongyang tem relações históricas com a sua congénere de Luanda.
Para além dos laços históricos, nascidos na década de 70 com o apoio militar norte-coreano às FAPLA, é certo que Angola só tem a ganhar, agora mais do que nunca, com o reforço sucessivo da cooperação com Pyongyang.
Então em matéria de democracia, direitos humanos, liberdades e garantias sociais, a Coreia do Norte continua a ser (tal como a Guiné Equatorial) uma lapidar referência para o regime de Eduardo dos Santos. E assim continuará se João “Malandro” Lourenço conseguir ser o seu sucessor.
Aliás, não é difícil constatar que a noção de democracia de Eduardo dos Santos e João “Malandro” Lourenço se assemelha muito mais à vigente na Coreia do Norte do que à de qualquer outro país. E é natural. É que para além de uma longa convivência “democrática” entre ditadores, Luanda ainda tem de pagar a dívida, e os juros, da ajuda que Pyonyang deu ao MPLA. Amigos, amigos, contas à parte.
No que tange a direitos humanos, os princípios são os mesmos embora – reconheça-se – Luanda tenha sido obrigada a alargar o laço que estrangula os angolanos. Mas já está a apertá-lo novamente, desde logo porque os angolanos não podem ter veleidades de quer que o seu país seja um Estado de Direito democrático.
De qualquer modo continuam os milhões que têm pouco, ou nada, a trabalhar para os poucos que têm milhões. É assim em todas as ditaduras. Foi por isso que algumas delas tombaram, e será por isso que também a de Eduardo dos Santos vai um dia destes cair do pedestal petrolífero e diamantífero.
É claro que o Governo do MPLA escuda-se nas relações Estado a Estado para estar de bem com Deus e com o Diabo. E faz bem. Segue, aliás, a regra praticada por Portugal em relação a Angola. Mas, tal como outros países, também Lisboa vai aplaudir um dia a queda do dono de Angola, como se nada tivesse a ver com a sua manutenção ao longo de dezenas de anos.
Lisboa nunca se importou com a ditadura, como nunca se importou com a sorte dos angolanos. Aliás, Eduardo dos Santos é elogiado por um vasto leque de políticos lusos, casos de Cavaco Silva, José Sócrates, Pedro Passos Coelho e Paulo Portas, António Costa, Jerónimo de Sousa, tal como Ben Ali o foi por Nicolas Sarkozy e Hosni Mubarak por Barack Obama, por exemplo.
A regra da comunidade internacional é simples. “Porque carga de chuva temos de estar preocupados com os muitos angolanos que nem uma refeição têm por dia, se nós temos pelo menos três?”
Eduardo dos Santos e João “Malandro” Lourenço pensam o mesmo. Kim Jong-il também pensava. Kim Jong-un também pensa. Mas não são só eles, acrescente-se. São também os dirigentes das democracias ocidentais, da ONU, da CPLP etc.. Para eles pouco importa que em Darfur tenham morrido em dois anos mais de 300 mil pessoas, ou que em Angola a grande maioria da população (perto de 70%) seja tratada abaixo de cão.